Storyteller #03 - A Criatura X O Criador

Do alto de sua onisciência, o Criador contempla sua criatura
ainda informe, a olhar ao nada com olhos ainda sem vida, girando entre menus de
opções de classes e números de atributos.
O Criador então, com
muito carinho e cuidado decide que sua criatura será um guerreiro, da raça anktar,
que possui a pele negra como o carvão das Montanhas Gêmeas. Lutará utilizando
uma espada de duas mãos, e que terá conhecimentos em poções, táticas de guerra
e um pouco de magia.
O Criador está
satisfeito com as capacidades de sua criatura.
Com muito esmero o
Criador escolhe a altura do guerreiro e a massa corporal. Terá 1m85cm e
músculos bem definidos, com uma constituição soberba.
O Criador decide
moldar o rosto de sua criatura, e a primeira coisa que molda no rosto ainda informe
é a boca.
E a criatura tomando
consciência de que tem uma boca, fala:
— Ai, o que está
acontecendo? Quem sou eu?
O Criador, com sua
benevolente voz responde:
— Você é um guerreiro
da raça anktar, e lutarás com uma espada de duas mãos, e terás conhecimentos em
poções, táticas de guerra e um pouco de magia.
A criatura contorce
a boca numa espécie de careta, e fala impacientemente:
— Que palhaçada é
essa aqui? Como assim guerreiro, meu querido?
— Guerreiro é a
classe que eu, o seu Criador escolheu para você. — responde calmamente o
Criador.
— Como assim você escolheu? Põe olhos aqui em mim que
eu quero olhar na sua cara.
— Se acalme.
— Calma uma pinóia
meu filho! Eu não quero ser guerreiro, eu quero ser elfo! Elfo, tá me
entendendo. Quero ser um ser belo elfo. Longilíneo, com lindas orelhas
pontudas, com andar suave e ótimo gosto para a moda medieval. Não quero ser um
brutamontes de armadura!
E o Criador bufou.
Com certa
impaciência, o Criador modelou os olhos da criatura. Assim que a criatura
passou a enxergar, olhou para seu corpo e falou:
— Noooooossaaaaaaaa,
até que eu sou gostosinho. Ai, tô em dúvida agora.
Fingindo calma, o Criador
questionou:
— Qual sua duvida?
A criatura disse:
— Se continuo como
guerreiro ou se viro elfo. Aff.
O Criador massageou
suas têmporas divinas, e falou para a criatura:
— Acho que você não entendeu o que está acontecendo aqui.
Veja bem, você não existia e eu te criei. Te trouxe do nada para que nesta
existência você seja um guerreiro. Não é você que escolhe, sou eu.
A criatura olhou bem
para o Criador, que parecia estar em outro universo, separado do universo da
criatura por uma espécie de janela mágica. Viu como seu criador parecia
soberano e poderoso de onde estava, sentado em uma espécie de trono de tecido,
ostentando uma barriga avantajadamente divina e em suas mãos estava uma espécie
de objeto mágico, que emanava uma luz azul hipnotizante.
Com todo o respeito
que conseguiu sentir pelo Criador, falou:
— Olha aqui seu gordo
metido a besta, não é por que você me criou que pode escolher o que eu vou ser
ou deixar de ser. Eu escolho, tá me entendendo.
O Criador, amoroso
como era para com suas criaturas, tentou argumentar com a criatura, relevando o
fato de ter sido ofendido:
— Se acalme pobre
criatura ignorante. A deixo ciente que com simples gesto meu, você deixará de
existir.
— Olha aí, começou a
tirania! — gritou a criatura com uma voz esganiçada que em nada combinava com
seu corpo musculoso — Só por que eu não quero ser o que você quer, você vai me
exterminar. É isso mesmo?
A ultima palavra da
criatura falou engasgando com o choro.
— Não. Calma. — disse
o benevolente Criador — Eu só tentei te mostrar meu poder e como sou amoroso em
não te destruir. Sua rebeldia não é algo que eu esperava.
A criatura enxugou
as lágrimas delicadamente e falou:
— Então eu posso ser
elfo.
— NÃO! — bradou o
Criador — Para com isso. Eu te criei guerreiro, e você será um guerreiro e
pronto.
A criatura bateu os
pés no chão reclamando:
— Aí, tá vendo! É
tudo do jeito que você quer! Eu não poso escolher nada.
O Criador coçou o
umbigo por baixo da camisa, e depois de cheirar o dedo num suspiro irritado,
disse com disfarçada calma:
— Claro que
pode. Deixo você escolher o seu
penteado.
A criatura fez beicinho,
e puxando o ranho com uma barulhenta fungada, falou dengosamente:
— Posso mesmo?
O Criador, em sua
infinita benevolência acenou com a cabeça.
A criatura, então
toda empolgada começou a falar:
— Tipo assim, eu
queria um cabelo longo, até os meus quadris, todo rosa exuberante, com listras
azuis turquesa. Mas cuidado com as pontas, nada daquele corte bagunçado ao
estilo Shiryu. Eu quero que picotem as laterais e me deixem lindo.
O Criador apoiou o
queixo nas mãos, e novamente exercitado sua grandiosa paciência disse:
— Rosa exuberante com
azul turquesa? Você está em um mundo medieval, e não em um desfile de carnaval,
criatura!!
— Ah é? O Cloud pode
ter cabelo prata espetadinho, o Chrono pode ter cabelo azul, e até aquele tal
do Goku pode ter cabelo de várias cores, e eu não posso ter meu cabelo rosa exuberante
com azul turquesa?
— Para começar, eu
não criei nenhum deles. E para terminar, eu sou o seu Criador, e vou te criar
da maneira que eu quiser! Não quero mais ouvir reclamações.
— Chato. — protestou
a criatura.
— Pois bem, — fala o
Criador — seu cabelo será negro e curto...
— Sem
criatividaaadeee.
— ... num corte
estilo militar. Porém terá uma falha na nuca devido a uma cicatriz...
— Olha aí, já está me
deformando.
— ... a cicatriz
começa na nuca, mas desce até o meio das costas...
— E eu que tava tão
feliz com meu corpinh...
— Cale-se!!!! —
bradou o Criador — Você está me irritando.
— Ora, ora, mas não é
você que é benevolente, ó Criador.
O Criador seleciona
a opção de excluir a criatura com seu objeto mágico, mas num suspiro de amor,
decide não fazê-lo.
Diz calmamente a
criatura:
— Entenda, eu sei o
que é melhor para você. A cicatriz te fará respeitado no mundo em que viverás.
A criatura fazendo
uma cara irônica fala:
— Entenda queridinho,
eu não quero ser respeitado, eu quero ser admirado, amado, desejado.
— Mas o respeito te
ajudará a vencer batalhas.
— E a admiração me
salvará de ter que lutá-las, ó Criador.
— Esse seu "Ó,
Criador" tá me irritando. Eu sei que é ironia.
— E você por acaso permitiu
que eu possuísse ironia, Ó Criador?
Novamente o Criador
bufou. Sua bondade estava no limite. Ele não queria eliminar a criatura, pois
não queria ser taxado de tirano, mas também não podia continuar sendo desafiado
por uma criatura.
Ele, novamente
demonstrando seu amor excelso, decide dialogar com a criatura.
— Vamos chegar a um
acordo. Eu não quero seu mal.
— Mas você quer para
mim só o que você quer.
— Por que eu sei o
que é bom para você.
— Mas e se eu quiser
outras coisas boas para mim?
O Criador pensou
alguns instantes, e enquanto pensava tirou uma catóta do nariz, a enrolou com o
indicador e o polegar e a disparou certeiramente para o outro lado de sua sala
do trono. Após alguns segundos falou a criatura:
— Veja bem, digamos
que eu crie você do jeito que eu quiser. Mas você pode escolher a sua espada, o
que acha?
— Pouco. Só a espada?
Que miserê da sua parte hein.
— Tudo bem, —
ponderou o Criador — deixo você escolher a armadura também.
A criatura pareceu
pensar um pouco, e então disse:
— Hum, até que gostei
da idéia de escolher minha armadura, mas não.
O Criador, mesmo
sendo misericordioso, começava a ponderar a possibilidade de realmente excluir
sua criatura com seu objeto mágico e começar do zero. Mas se assim o fizesse,
seria realmente conhecido como um Criador tirano. E isso, ele não era.
Com uma voz
aveludada, após pigarrear, disse:
— De todas as minhas
criaturas, você é a mais complicada. Só queria criar um ser para desbravar o reino
de Temar e concluir a jornada após atingir o nível máximo de poder. Queria que
minha criatura fosse a responsável pela paz em Temar. Mas você desafia meus
desígnios, me obrigando... não, você não me obriga, me mostrando o quanto quer
ser independente. — o Criador limpou grandiloqüentemente uma remela que
atrapalhava a sua visão, e continuou: — Como sou bondoso e onisciente,
permitirei a sua independência e criarei outro ser para ser o herói de Temar.
Você pode viver no mundo como mais um dos muitos seres que vivem e fazem o que
bem querem. Porém, como decidiu não seguir meus desígnios, saiba que ficarás a
mercê de suas escolhas. Do suor de suas batalhas comerás o alimento da terra. E
morrerás sozinho, sem que eu o ajude ou lhe aconselhe. É isso realmente o que
queres?
A criatura, olhando
para o Criador com uma feição indefinida, fala:
— Quanto drama hein,
ó Criador! Pára com isso vai. Eu só quero escolher querido. Para que falar
"morrerás", "queres", "mercê"? Quem, em sã
consciência, fala desse jeito criatur..., quero dizer, ó Criador?!
— Não me chame de
querido, por favor. E eu já disse que se me chamar mais uma vez de "ó
Criador" te coloco no mundo sem língua? Não? Pois estou falando agora! — o
Criador se recompõe e continua — Falo assim, criaturazinha, por que é assim que
falam em Temar. Estou tentando te acostumar. Mas, como você quer ser
independente. — nesse momento, o Criador faz uma imitação di-vi-na da criatura
com uma voz fina e estridente — "Ai eu quero cabelo rosa", "Ui,
eu quero ser um elfo fresco", "Awn, eu quero ser independente".
O Criador então
respira fundo e conclui:
— Pois que se dane,
seja o que você quiser!
— Nooooossaaaaaa, o
Criador desceu do salto foi? Rodou a baiana? Perdeu as estribei...
— CHEGA! — rosnou o
bondoso Criador — Você vai ao mundo de Temar do jeito que está agora! Nu, sem
armadura, sem cabelo, sem espada e sem...
— Não, não. Espera
aí. Tá faltando algo muito importante aqui.
— Pois é! É isso
mesmo! Vais ao mundo de Temar... sem genitália!!!
E num angustiante,
estridente e irritante grito, a criatura foi lançada no mundo medieval de Temar
...sem genitália.
—
Nããããããããããããoooooooooooooo... ai que frio que tá nessa terrinha.
Como havia
prometido, o Criador criou outro guerreiro, que foi chamado de Kaduk. Esse guerreiro lutou muitas batalhas,
conseguiu muitas armas mágicas, conquistou inúmeros aliados e mulheres. Tudo
isso, o guerreiro Kaduk conseguiu por intermédio dos conselhos e direcionamentos
dados pelo Criador através do objeto mágico que emitia a luz azul.
Por fim, como rei de
Temar e já no Level 60, o guerreiro Kaduk iria enfrentar seu ultimo inimigo.
Era conhecido como Lafon El-Nuco, um Mago-Guerreiro-Elfo dos reinos além-mar.
Porém foi descoberto que esta era apenas uma identidade falsa, para que Lafon
se infiltrasse no reino de Temar e o destruísse de dentro para fora. E ele
quase conseguiu.
Kaduk prometera que
este seria o fim de Lafon El-Nuco.
E por fim, Kaduk
estava frente a frente com Lafon, usando sua armadura +20, com luck +12 e
defesa 70, empunhando sua espada de duas mãos Level 57, forjada com ossos de dragão.
Era agora a batalha
final.
A batalha foi árdua,
mas a vitória estava quase certa para Kaduk. Lafon estava ajoelhado diante de
rei de Temar, com sua armadura semi-destruida e com o fio da espada de ossos de
dragão tocando sua garganta.
Kaduk falou para
Lafon:
— Diga-me seu
verdadeiro nome?
Lafon olhou para
Kaduk pela fresta do elmo, e respondeu:
— Meu nome? Você
também já teve meu nome, guerreiro Kaduk.
— Não tentes
enganar-me com suas mentiras, maldito.
Lafon começou a rir
e falou e meio as gargalhadas:
— Você fala
igualzinho a ele. Pobre marionete. — e continuou a rir
Kaduk incomodado
falou:
— Do que ri, se estás
derrotado criatura?
— Isso.
— Isso o que?
— Meu nome.
— Do que falas?!
Lafon balançou
negativamente a cabeça dizendo:
— Ai que saco...
E num piscar de
olhos o corpo de Lafon transformou-se em fumaça . A armadura ficou vazia. Lafon
não estava mais nela.
Kaduk viu que dentro
do elmo estava uma peruca rosa exuberante com listras azul turquesa. O
guerreiro estava confuso.
— Mas o quê?
Então uma voz esganiçada
falou as costas de Kaduk:
— Esse jeitinho de
falar me enche viu. E depois eu é que sou fresco!
Kaduk se virou e se deparou
com uma criatura estranha totalmente nua, de pele negra, careca e... e...
sem... genitália.
— Quer saber o meu
nome, Kaduk? Pois pergunta aí para seu Criador.
— Não desrespeites o
Criador.
— Ai ai ai ui ui, que
medinha dele. — os olhos de Lafon queimaram em brasa — Meu nome verdadeiro
Kaduk, é Criatura!
Kaduk estava ainda
mais confuso, olhou para o céu, e um portal retangular apareceu sobre os dois,
e de lá se via o Criador.
— Ó Criador, o que
aconteces aqui? Pensei que as histórias sobre a Criatura fossem apenas lendas.
— Desculpe-me Kaduk,
eu deveria ter falado a ti a verdade.
A Criatura começou a
balançar a cabeça de um lado para o outro fazendo micagem. Por fim gritou
esganiçada:
— Parem vocês dois!
Quanta frescurinha! "Ai ai, Criador, ui ui, Kaduk", ah, vão se lascar
vocês. — olhou para o portal, e fitando bem o Criador, disse: — Então ele pode
falar "ó Criador", e eu não né?
— Ele o diz com
respeito, Criatura. — respondeu o amoroso Criador.
— Ele é um
babacaquinha lambe-botas, isso sim! E quer saber... — a Criatura sumiu de onde
estava e reapareceu ao lado de Kaduk, e num gesto extremamente rápido decapitou
o guerreiro com a mão — ... cansei desse filhinho de papai.
— Não! — gritou
dolorosamente o Criador.
— Sim, Criador! Sim!
Sim! Sim! — fitou o Criador com tamanho ódio, que os alicerces de Temar
rangeram — Cá estou eu, Ó CRIADOR! Do jeito que jogastes no mundo. —
deu uma piscadela — Gostou do jogastes né? Então, cá estou eu: nu,
careca e capado! Foi assim, Criador, que a sua primeira criatura foi lançada no
mundo. O tão amoroso Criador não foi tão amoroso comigo. Então me diga, Ó
CRIADOR, o que faço agora?
O Criador, mantendo
sua inesgotável mansidão, falou com a Criatura:
— Se acalme, podemos
resolver isso.
— Resolver? Nã nã ni
nã não! Não quero resolver. Eu quero mais. Controle mais guerreiros para que
possa matá-los, traga-os a mim. Um por um, todos vão morrer. E um dia... — a
criatura cerrou o punhos — um dia eu descubro como te fazer pagar, Criador. Um
dia, você olhará para o chão e verá a sua genitália coberta de sangue caída
entre seus pés! Um dia.
O Criador engoliu a
saliva, e suando frio selecionou com seu objeto mágica opção de desligar o
console, e em sua onipotência o fez.
Acima da Criatura, o
portal se fechou.
A Criatura se sentou
no chão, juntou as mãos espalmadas abaixo a frente da boca, e batendo as pontas
dos dedos falou:
— Hummm, vamos ver...
Kaduk morto, Criador com medo e eu nu. — a Criatura sorriu — É, que dia lindo,
ó Criador!
Post a Comment